Caminhos da Ciência: Uma jornada inspiradora até o empreendedorismo
Aliny cresceu onde os sonhos eram maiores que os recursos. Filha de uma família simples, moldou sua trajetória entre escolas públicas e a crença de que o conhecimento é um ato de resistência. E foi com essa base que cruzou o país; saiu de Goiás e chegou a São Paulo, determinada a tornar-se pesquisadora.
Na Universidade Federal de Goiás, onde se formou em Ciências Biológicas, surgiu o desejo de explorar a fundo a biologia celular e suas aplicações. O mestrado, o doutorado e dois pós-doutorados vieram com o apoio da Fapesp, todos realizados na FMVZ-USP em meio a sacrifícios pessoais e o aprendizado de quem transforma a escassez em combustível.
Mesmo com formação em Biologia, Aliny encontrou espaço na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, onde atuou como pesquisadora-visitante por quatro anos. Ali, em um laboratório voltado à morfologia e imuno-histoquímica, investigou modelos de doenças como Parkinson e diabetes, sempre com uma abordagem interdisciplinar. Percebeu que a Biologia foi uma vantagem.
Mas foi fora da universidade que sua inquietação ganhou novo fôlego. Ao perceber que boa parte do conhecimento científico não chegava ao campo, fundou a Innovagro – Centro de Soluções Agropecuárias, onde hoje, dirige projetos que unem ciência e prática na bovinocultura.
Confira a inspiradora história de Aliny Antunes Barbosa na entrevista realizada por Ivete Silva.
Formação e Trajetória Acadêmica
Você estudou em escola particular, ou pública?
Sempre estudei em escola pública, tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio. Isso foi determinante para mim, pois desde cedo aprendi a valorizar as oportunidades e a transformar os desafios em motivação para seguir nos estudos.
O que a motivou a seguir além da graduação e investir em mestrado, doutorado e dois pós-doutorados?
Venho de uma família de origem simples, onde não havia tradição acadêmica, mas meus pais sempre valorizaram a educação e incentivaram meus irmãos e eu a buscarmos a formação superior. Quando finalizei a graduação em Ciências Biológicas pela UFG, eu já tinha o desejo de me tornar pesquisadora. Por isso, deixei Goiás e vim para São Paulo, para a USP, justamente porque via nos pesquisadores daqui uma referência acadêmica e social. Queria estar em um ambiente de excelência, que me permitisse ampliar horizontes e consolidar minha carreira científica. Durante minha formação acadêmica, fui bolsista da Fapesp no mestrado, doutorado e pós-doutorado, o que representou um investimento essencial no meu capital intelectual. Sou profundamente grata à USP, que foi não apenas uma fornecedora de ciência de excelência, mas também um espaço de formação e qualificação profissional, que ampliou minhas competências e consolidou minha trajetória como pesquisadora.
Onde realizou o mestrado, o doutorado e os pós-doc? Diga em quais departamentos realizou e fale um pouquinho sobre eles.
Realizei o mestrado no Departamento de Cirurgia e investiguei os mecanismos de proliferação neuronal pós-natal no gânglio cervical superior de preás (Cavia aperea). O foco foi compreender se a geração de novos neurônios (neurogênese) ou a diferenciação tardia de células já presentes seria responsável pelo aumento da população neuronal nesse período. A pesquisa trouxe contribuições para o entendimento da plasticidade do sistema nervoso autônomo, com possíveis implicações para áreas como neurociência do desenvolvimento e neuropatologias.
Já o doutorado, me matriculei Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), mas a pesquisa foi conduzida no Departamento de Cirurgia. Neste projeto, analisei os efeitos do desenvolvimento pós-natal — desde a maturação até o envelhecimento — no miocárdio e na inervação intrínseca do coração de cutias e preás. O objetivo foi compreender como as alterações estruturais e funcionais ao longo da vida impactam a morfologia cardíaca e os mecanismos de controle neural, gerando conhecimento relevante para estudos comparativos em fisiologia e patologia cardiovascular.
Os dois pós- doutorados, também foram realizados na FMVZ-USP. No primeiro, investiguei a dinâmica neuronal do controle cardíaco em preás (Galea spixii) durante o desenvolvimento pós-natal, considerando os efeitos da atividade física. O objetivo foi compreender como a prática de exercícios influencia a maturação do sistema nervoso autônomo cardíaco, trazendo contribuições para estudos sobre adaptação fisiológica, plasticidade neural e saúde cardiovascular. No segundo pós-doc realizei uma avaliação estereológica da arquitetura epitelial e do plexo mioentérico do rúmen de bovinos ao longo do desenvolvimento pré e pós-natal. O estudo buscou compreender as adaptações estruturais e quantitativas desses componentes durante a formação e maturação do sistema digestivo, fornecendo subsídios importantes para a fisiologia ruminal e para práticas voltadas à nutrição e manejo de ruminantes.
Como foi sua experiência como pesquisadora-visitante durante quatro anos?
O programa de pesquisador visitante é uma oportunidade de apoiar quem não é chefe de laboratório, mas deseja continuar contribuindo com ciência de forma independente e colaborativa. Atuei no Departamento de Cirurgia da FMVZ-USP, dentro do Laboratório de Anatomia Microscópica e Imuno-Histoquímica, sob a supervisão do Prof. Dr. Francisco Javier Hernández Blázquez, que também foi meu orientador no pós-doutorado. O maior aprendizado foi a possibilidade de desenvolver pesquisas interdisciplinares, aplicando meus conhecimentos em áreas diversas, além das linhas tradicionais do orientador. Essa vivência me deu autonomia científica e ampliou minha capacidade de contribuir em projetos coletivos e multidisciplinares.
Você enfrentou algum tipo de resistência ou surpresa ao escolher a carreira acadêmica como médica-veterinária?
Na verdade, minha formação é em Ciências Biológicas pela UFG. Quando decidi entrar na FMVZ, foi com o objetivo de aprofundar meus estudos na estrutura morfológica e celular dos animais, desenvolvendo pesquisas experimentais. O que poderia causar surpresa é justamente essa transição: uma bióloga inserida em um ambiente majoritariamente veterinário. Mas acredito que essa foi uma das minhas maiores forças, pois trouxe uma visão complementar e multidisciplinar para os projetos.
Quais foram os principais temas das suas pesquisas ao longo da carreira acadêmica?
Minha trajetória de pesquisa sempre esteve voltada à compreensão da biologia estrutural e funcional dos animais, em contextos clínicos e experimentais, mas sempre alinhada ao avanço das biotecnologias como eixo central. Trabalhei com modelos de diabetes, desnutrição, envelhecimento e doenças neurodegenerativas, como Parkinson, ELA e Huntington, aplicando ferramentas como a estereologia aplicada e a morfologia comparada para compreender adaptações estruturais de tecidos e órgãos. Esse olhar científico foi naturalmente expandido para áreas de impacto produtivo, conectando-se às biotecnologias aplicadas à saúde animal e humana, à educação científica e à eficiência no campo.
Transição para o Setor Privado
Em qual empresa você atua atualmente e em qual setor?
Sou fundadora e diretora do Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento da Innovagro – Centro de Soluções Agropecuárias. A Innovagro é uma instituição voltada para educação, inovação e desenvolvimento de soluções estratégicas no agronegócio, com foco em aproximar ciência e prática na bovinocultura. É nesse ambiente que consigo aplicar meu capital intelectual adquirido ao longo da trajetória acadêmica em soluções para o setor, como a produção de carne de qualidade, o aumento da eficiência produtiva e o avanço no melhoramento genético.
O que a levou a deixar o ambiente acadêmico e empreender na área de pesquisa em uma empresa de biotecnologia animal?
A motivação foi o desejo de aproximar a ciência das empresas ligadas a biotecnologia animal. Após muitos anos dedicados à academia, percebi que parte significativa do conhecimento gerado permanecia restrita ao ambiente universitário. Na empresa, encontrei a oportunidade de transformar esse conhecimento em soluções aplicáveis, que dialogam com as necessidades reais das empresas e promovem avanços relevantes para a pecuária.
Como é seu trabalho atualmente?
Minha rotina é bastante dinâmica e envolve projetos e atuação em áreas como reprodução, melhoramento genético, avaliação de carcaça, nutrição e microbiota do trato gastrointestinal e reprodutivo, sempre conectando ciência às demandas das empresas do agro. Além disso, atuo para consolidar um ecossistema de inovação contínua, aproximando produtores, técnicos e instituições em torno de soluções que fortaleçam a eficiência e a qualidade na bovinocultura.
Quais são os maiores desafios de aplicar conhecimento científico em uma empresa privada?
O maior desafio é traduzir a linguagem científica em resultados compreensíveis e utilizáveis pelas empresas, conciliando a complexidade da academia com a objetividade exigida pelo mercado. Isso exige adaptar termos, metodologias e indicadores sem perder o rigor científico, garantindo que a informação seja ao mesmo tempo tecnicamente sólida e estrategicamente aplicável.
O que mais a surpreendeu na transição do meio acadêmico para o corporativo?
O que mais me surpreendeu foi a abertura do setor corporativo para a ciência. Existe um interesse genuíno em trazer inovação para dentro da pecuária, mas muitas vezes faltava o elo entre pesquisa e prática. Ao me aproximar desse ambiente, percebi que o conhecimento científico, quando traduzido em linguagem acessível e conectado às demandas empresariais, tem alto valor estratégico e pode impulsionar mudanças significativas. Essa receptividade reforçou minha convicção de que a união entre academia e setor corporativo é um caminho sólido para transformar o setor.
Pesquisa Aplicada e Inovação
Na sua visão, qual é o papel da Medicina Veterinária na inovação do agronegócio brasileiro?
Acredito que a pesquisa na área da Medicina Veterinária exerce um papel estratégico na inovação do agronegócio, porque atua diretamente em saúde, genética e reprodução animal, impactando toda a cadeia da pecuária. As biotecnologias, associadas a práticas de manejo mais sustentáveis e ao uso de ferramentas diagnósticas avançadas, têm permitido aumentar a eficiência produtiva e garantir qualidade na produção de carne e leite. Vejo essa área de pesquisa como essencial para integrar ciência, tecnologia e mercado, fortalecendo a posição do Brasil no cenário global.
Você acredita que o setor privado está mais receptivo hoje à pesquisa científica?
Sim, acredito que hoje o setor corporativo está muito mais receptivo à ciência. Tenho visto empresas cada vez mais conscientes de que a competitividade depende de dados confiáveis, tecnologia validada e soluções embasadas cientificamente. O que antes era visto como um custo passou a ser reconhecido como investimento estratégico, capaz de gerar diferenciais claros em produtividade e qualidade.

Pode citar algum projeto ou inovação no qual participou, (ou vai participar) que tenha gerado impacto direto no campo da reprodução bovina?
Estou atuando em projetos voltados à produção in vitro de embriões bovinos (PIVE), com foco na seleção morfológica de oócitos e na avaliação da eficiência embrionária em diferentes condições experimentais. Esses estudos permitem correlacionar qualidade celular, ambiente laboratorial e taxa de desenvolvimento embrionário, fornecendo informações fundamentais para melhorar protocolos e ampliar o potencial de aproveitamento genético no rebanho. Vejo essa linha de pesquisa como um exemplo claro de como a ciência aplicada pode gerar avanços diretos para a pecuária moderna.
Qual é a importância de uma base científica sólida para quem deseja inovar no agronegócio?
Para mim, uma base científica sólida é indispensável porque garante consistência, confiabilidade e sustentabilidade às inovações. Sem ciência, corremos o risco de adotar soluções superficiais ou de curto prazo. Com ciência, conseguimos validar hipóteses, estruturar metodologias robustas e oferecer resultados que realmente transformam o campo. Acredito que a ciência aplicada é o alicerce da inovação no agronegócio, pois permite que ideias sejam convertidas em tecnologias, protocolos e práticas sustentáveis, capazes de gerar impacto duradouro.
Reflexões de Carreira e Inspiração
Muitos profissionais ficam “estáticos” após o doutorado. O que você diria para quem está nesse momento?
Eu diria que o doutorado não é o fim da jornada, mas o início de uma nova etapa. Esse momento pode trazer uma sensação de pausa ou até de vazio, mas é justamente aí que surgem as oportunidades de redefinir caminhos e aplicar o conhecimento adquirido em novos contextos. Sempre reflito que existe um grande investimento para formar o capital intelectual de um doutor, e por princípio, esse conhecimento precisa ser devolvido à sociedade, seja em forma de ciência aplicada, inovação ou educação. O mais importante é não perder a curiosidade e a coragem de se reinventar.
Você já pensou em desistir ou mudar completamente de carreira?
O que a manteve firme em sua trajetória? Sim, já pensei em desistir em alguns momentos, principalmente diante das dificuldades financeiras, das longas horas de estudo e da distância da família. Mas o que me manteve firme foi o propósito: acreditar que a educação e a ciência podem transformar realidades. No meu caso, foi a educação que me permitiu mudar a realidade social da minha família, que sempre teve uma base simples, mas rica em valores. Esses valores me deram forças para seguir adiante e transformar cada obstáculo em aprendizado.
Existe espaço para mais médicos-veterinários na ciência e na indústria?
O que falta para que isso aconteça em maior escala?
Existe, e muito! A ciência e a indústria precisam de mais pesquisadores na área veterinária para atuar em campos como saúde animal, reprodução, biotecnologia, nutrição e qualidade da carne. O que ainda falta é estimular a interdisciplinaridade e mostrar que a carreira científica não se limita à academia. É fundamental criar pontes entre universidades, centros de pesquisa e empresas, para que esses pesquisadores visualizem novas possibilidades de carreira e ocupem espaços estratégicos, contribuindo de forma mais ampla com o avanço da pecuária e do agronegócio.
Que conselho você daria para jovens médicas e médicos-veterinários que querem seguir um caminho parecido com o seu?
Meu conselho é: tenham coragem de sonhar grande e persistir. A carreira científica exige disciplina, resiliência e muitas vezes renúncias, mas cada etapa traz recompensas únicas. Busquem mentores, sejam curiosos, cultivem redes de colaboração e não tenham medo de errar ou recomeçar. Lembrem-se também de que toda formação acadêmica representa um investimento coletivo da sociedade, e que o papel do pesquisador é devolver esse capital intelectual em forma de soluções, conhecimento e transformação. A ciência é construída no tempo, no silêncio e na persistência. E, acima de tudo, mantenham o propósito de que o trabalho de vocês pode gerar impacto real na vida das pessoas e na sociedade.
A entrevistada declarou se emocionar ao refletir sobre sua trajetória e, sobretudo, ao deixar um conselho para jovens médicos-veterinários.
Nós nos emocionamos, juntos, Aliny! E que sua história seja inspiração para aqueles que ainda tenham dúvida sobre os caminhos da Medicina Veterinária e da Ciência.
