Professor Larsson se foi, mas deixa saudade e grande legado!

PROFESSOR LARSSON SE FOI, MAS DEIXA SAUDADE E GRANDE LEGADO!

Por Enrico Lippi Ortolani

No dia 8 de outubro de 2024, recebemos a infausta notícia da morte do Carlos Eduardo Larsson, emérito e reconhecido professor da FMVZ-USP. Carlos Eduardo era paulistano da gema, nascido no bairro do Planalto Paulista, no dia 17 de março de 1948, filho primogênito do sr. Carlos, um comerciário da Light, e dona Leda, uma escriturária numa empresa de contabilidade. Seus avós foram imigrantes que vieram da Suécia (Larsson) e da Itália (Luini) ainda no século XIX, fugindo de tempos difíceis. Teve uma infância tranquila, como qualquer garoto, com muitas brincadeiras e sonhos, no meio de amigos e de animais.
Fez seus primeiros estudos no Grupo Escolar Almirante Barroso, no bairro do Jabaquara, seguindo os estudos no concorrido Colégio Estadual Presidente Roosevelt. Foi lá, a partir de um mestre marcante, que ele se apaixonou pela Biologia e decidiu optar por um de seus vários campos, a Medicina Veterinária, dando preferência pela USP, cuja  sede é em sua cidade natal. Foram nos corredores do Presidente Roosevelt que conheceu e se apaixonou, em 1965, por aquela que seria sua grande parceira e amor para toda vida, a também professora Maria Helena Akao, que mais tarde se tornaria Larsson, seguindo o ditado latino “donec duo sint sicut unum”, ou seja, “até que os dois sejam apenas um”!

O casal Larsson - Foto: Revista Cães e Gatos

Dedicado aos estudos, Larsson venceu com facilidade o vestibular de 1968, na então Faculdade de Medicina Veterinária, que passou por grandes mudanças no decorrer de seu curso, e ganhou a denominação adicional de “Zootecnia”, aumentou o seu tempo de duração de quatro para  quatro anos e meio, e teve o ingresso não mais de 50 alunos por ano, mas de 100, por uma “penada” de um então Ministro da Educação.

Segundo seus colegas de turma, da gloriosa 34ª, Larsson era um aluno aplicado e muito agregador, sendo amigo indistinto de todos da classe. Não se sabe o porquê, mas recebeu o curioso apelido de “Espaia”, dado sem dúvida pelos veteranos de então. Hoje, apenas os mais íntimos lembram com carinho de seu apelido.

Segundo depoimentos de seus colegas, desde os primórdios dos bancos universitários, Carlos Eduardo tinha grande interesse por cães e gatos.

Vem a formatura em 1972, e assim foi inscrito no CRMV-SP, recebendo o número 1.037. Numa época em que a pós-graduação estava nos seus primórdios e que a entrada no corpo docente era por indicação, Larsson se espelhou em seus melhores professores e decidiu seguir a carreira universitária. Inicialmente, foi selecionado para ser docente no recém-criado (1971) curso de Veterinária, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Unesp/Jaboticabal, ministrando um semestre a disciplina de Anatomia Patológica. Mas logo em seguida, em 1973, muda sua trajetória e migra, como auxiliar de ensino, para o então Departamento de Patologia e Clínica (VPC), da FMVZ-USP, na área de Clínica de Monogástricos, em que além de atuar em cães e gatos, tinha que colaborar, esporadicamente e por curta duração, na Clínica de Equinos, também em monogástrico, o que não o agradava muito.

Não se sabe o porquê, mas recebeu o curioso apelido de “Espaia”, dado sem dúvida pelos veteranos de então. Hoje, apenas os mais íntimos lembram com carinho de seu apelido.

No começo de carreira praticou a clínica médica geral, mas após algum tempo se apaixonou pela Dermatologia de cães e gatos, contagiando seus alunos, com o entusiasmo técnico e humano que sempre o acompanhou. Os programas de mestrado na década de 1970 eram escassos e com poucas aberturas para os veterinários.

Frente às dificuldades enveredou para a área de Saúde Pública, na Faculdade homônima da USP. Para entrar no mestrado, foi sugerido que fizesse um curso de especialização em Saúde Pública “para veterinários”, com duração de um ano, em 1974. Seguiu o conselho e tirou de letra essa especialização. Vencida a barreira entrou no mestrado, trabalhando na temática de Zoonoses (epidemiologia da toxoplasmose), a qual concluiu sua dissertação em 1976, sob a orientação do professor Dino Patolli.

Ele teve nessa empreitada o acompanhamento de outros colegas, do então VPC: Mitika K. Hagiwara, sua já esposa Maria Helena M.A. Larsson, José Luiz D’Angelino e o também saudoso Wanderley Pereira de Araújo. Não deixando a peteca cair, todos eles entraram no programa de doutoramento da mesma Faculdade, e Larsson obteve seu título em 1982, aprofundando estudos em leptospirose felina, sob a orientação do professor Gil V. Paim, e também sob os olhares cuidadosos do fabuloso professor Santa Rosa, que além de veterinário era um grande especialista no assunto.

Larsson sempre foi muito associativista. Convidado por vários professores da Faculdade e outros eméritos profissionais participou de várias comissões da Sociedade Paulista de Medicina Veterinária, galgando a sua presidência, cujo mandato transcorreu de 1984 a 1987. Lá teve como meta dinamizar a difusão de conhecimentos científicos, implementando seminários, cursos e palestras, para os veterinários autônomos da capital e do interior do estado, e teve muito sucesso na empreitada.

Dentro de seu espírito associativista também participou intensamente de comissões do CRMV-SP de 2018 a 2024, da Academia Paulista de Medicina Veterinária (Apamvet), desde 2012, da Anclivepa e da Sociedade Brasileira de Medicina Veterinária.

Larsson sempre foi muito associativista. Convidado por vários professores da Faculdade e outros eméritos profissionais participou de várias comissões da Sociedade Paulista de Medicina Veterinária, galgando a sua presidência, cujo mandato transcorreu de 1984 a 1987.

Embora tivesse trabalhado na área da Saúde Pública, Larsson era apaixonado mesmo pela Dermatologia. Frente a escassez de especialistas veterinários e centros de referência em nosso meio, ele buscou aprofundar o assunto na Dermatologia Médica, com craques da Medicina da USP (1985-1987; 1989 -1992) e da Unifesp (1989 – 1992). Voltou a essa última Universidade a busca de soluções das doenças do ouvido de pequenos animais, a que foi desafiado no dia a dia.

Esses casos de otopatias do HOVET passaram a ser enviados para ele, que as resolvia com eficiência. A coletânea de uma grande quantidade dessas otopatias foi a base de seu trabalho de tese, apresentada na defesa de sua livre-docência, no já Departamento de Clínica Médica (VCM) em 1988, na época, de longe, o mais difícil de todos os concursos universitários.

Mesmo antes de se aprofundar na Dermatologia, e posteriormente às otopatias, Larsson propôs ao HOVET, em 1984, a criação do primeiro Serviço Especializado em Dermatologia nacional e latino-americano. Em pouco tempo tal Serviço virou um centro de referência, atraindo clientes até de fora do estado paulista. No decorrer dos tempos centenas de estagiários nacionais (onze estados) e internacionais (italianos, portugueses, argentinos, chilenos, uruguaios e colombianos) por lá passaram para aumentar seus conhecimentos na área.

Segundo o que foi contabilizado, foram atendidos até o dia de hoje, mais de 141 mil casos nesse Serviço. Larsson chefiou-o até o ano de 2017, quando se aposentou da Universidade, e foi sucedido pelo seu talentoso filho Carlos Eduardo Júnior. Nesse atendimento diuturno diagnosticou-se, de maneira inédita no Brasil, várias novas doenças de pele em cães e gatos. Falando sobre o filho, certa vez me confessou que uma das tarefas mais difíceis foi dar aulas e julgar o próprio rebento, que se graduou em 1997.

Mesmo antes de se aprofundar na Dermatologia, e posteriormente às otopatias, Larsson propôs ao HOVET, em 1984, a criação do primeiro Serviço Especializado em Dermatologia nacional e latino-americano. Em pouco tempo tal Serviço virou um centro de referência, atraindo clientes até de fora do estado paulista.

Já bastante conhecido no território nacional, onde até o final da década de 1990 já tinha ministrado mais de 200 palestras em 21 estados brasileiros, desde Rondônia ao Rio Grande do Sul, Larsson passou a estudar a língua espanhola para conquistar e ser reconhecido nos países ibero-americanos. Para unir o útil ao agradável, decidiu fazer seu pós-doutoramento na Universidade Autônoma de Barcelona, obtendo para tal uma bolsa da Capes, no ano de 2001.

Assim, fruto deste esforço, foi convidado para palestrear e dar minicursos em sete países da América Latina (Argentina, Uruguai, Chile, Peru, Colômbia, Venezuela e México), além de Portugal e Espanha, tornando-se, quiçá, um dos professores da FMVZ-USP mais reconhecidos na Iberoamérica. Ainda participou como professor visitante em duas universidades argentinas (La Plata e Rio Quarto), uma uruguaia (Nacional), uma portuguesa (Porto) e outra chilena (Chile).

Galgou o auge da carreira universitária, obtendo seu cargo de Professor Titular, junto ao Departamento de Clínica Médica, em 1998, na disciplina de Patologia Médica, disciplina essa que ajudou a criar e a estabelecer no currículo mínimo na FMVZ-USP, uma década antes. Também esteve na linha de frente da criação e condução do programa de residência da FMVZ-USP em 1982, sendo seu presidente de 2000 a 2010. Em sua gestão teve que driblar as dificuldades de obtenção de bolsas de manutenção aos residentes, conseguindo sanar, em parte, pelo patrocínio de empresas veterinárias e de nutrição animal.

Galgou o auge da carreira universitária, obtendo seu cargo de Professor Titular, junto ao Departamento de Clínica Médica, em 1998, na disciplina de Patologia Médica (...)

Frente a necessidade e a alta casuística de problemas de pele em cães e gatos nas clínicas veterinárias, caiu como uma luva sua ideia de formar um curso de especialização em Dermatologia Veterinária. Assim, ele realizou pelo Departamento de Clínica Médica da FMVZ-USP cinco edições, altamente concorridas, de cursos de especialização durante os anos de 2004 e 2012, formando mais de 100 alunos nas mesmas. O curso era muito consistente, com duração de dois meses e contava com grande quantidade de aulas teóricas e práticas.

Muitos desses ex-alunos (15) posteriormente obtiveram o real título de ‘Especialistas”, credenciados pela Sociedade Brasileira de Dermatologia Veterinária (SBDV) e o CFMV, por meio de exigentes provas específicas. Também bolou em 1993 e colocou em prática mais de 30 edições das denominadas “Tertúlias (palestra literária, com  discussão) Dermatológicas”, inclusive algumas no exterior (Argentina) e d’além-mar (Portugal), sendo a derradeira em Sorocaba/ SP, em 16 de novembro de 2023. Por ser diferente e inovador, também apresentou pela SBDV as chamadas “Domingueira Tegumentares”, que ocorreram em dez oportunidades.

Mas seus sonhos ainda não estavam completos. Ele queria formar mais discípulos em Dermatologia e algo que os congregasse. Desta forma, junto com outros eméritos professores, entre eles Cid Figueiredo da FMVZ-Unesp, e Helena Ramadinha (UFRRJ) criou a SBDV, em 16 de março de 2000, agregando, de pronto, um grande número de sócios. Foi seu presidente nos anos de 2000 – 2006; 2009 -2012, e mesmo enfrentando sua doença terminal foi reeleito para a gestão 2024 a 2027.

Desta forma, junto com outros eméritos professores, entre eles Cid Figueiredo da FMVZ-Unesp, e Helena Ramadinha (UFRRJ) criou a SBDV, em 16 de março de 2000, agregando, de pronto, um grande número de sócios.

Na área científica também teve expressiva produção: com 118 trabalhos publicados em revistas arbitradas, sendo 20 deles em periódicos internacionais; 37 artigos completos em anais de congressos nacionais, sendo 18 deles internacionais; 246 resumos de trabalhos em anais de conclaves científicos, sendo 46 internacionais. Escreveu 47 capítulos de livros na área de clínica médica, com destaque à dermatologia. Na área de extensão técnica, escreveu ou foi fonte de informação para 37 artigos em jornais e revistas, sobre temas de sua especialidade. Concedeu 15 entrevistas para rádios e Tvs. No balanço final de carreira ministrou 473 palestras e 50 minicursos.

Também foi profícuo na formação científica de recursos humanos, orientando seis alunos de doutorado, 23 de mestrado, 76 monografias de alunos de especialização, 15 orientações de iniciação científica e nove trabalhos de conclusão de curso.

Larsson também foi membro do Comitê de Medicina Veterinária da Capes (1999 a 2005), coordenador da Pós- Graduação da Área de Clínica Veterinária no Departamento de Clínica Médica (2003 a 2013), atuando ainda como chefe de Departamento da Clínica Médica de 1998 a 2000. Na área de Graduação foi responsável pela escolaridade das disciplinas de Clínica Médica de Cães e Gatos e Patologia Médica. Na Pós-graduação esteve na linha de frente das disciplinas Dermatologia Comparada e Micologia Clínica.

Frente a tanta atividade e produção de excelência Larsson foi indicado, de forma unânime, para ocupar a 9ª cadeira da Academia Paulista de Medicina Veterinária (Apamvet), cujo o patrono é o professor e ex-reitor da USP Orlando Marques Paiva, no dia 9 de março de 2012. A cerimônia de iniciação ocorreu no Anfiteatro da FMVZ-USP, e recebeu as vestes talares e o colar do professor Eduardo Harry Birgel, idealizador e na época presidente da Apamvet.

Para coroar sua carreira, publicou, em parceria com seu discípulo Ronaldo Lucas, duas edições do livro denominado “Tratado de Medicina Externa- Dermatologia Veterinária”, em 2016 e 2019, contendo 1216 páginas e uma quantidade imensa de fotos, obtidas de casos clínicos e achados laboratoriais, no decorrer de sua vida profissional. O resultado foi marcante com a venda superior a 5000 livros, que se tornou a “bíblia” dos dermatologistas veterinários, assim como o “livro de cabeceira” de muitos clínicos de cães e gatos, e animais silvestres do Brasil.

Professores Carlos Eduardo Larsson e Ronaldo Lucas, autores do Tratado de Medicina Externa - Dermatologia Veterinária - Foto: SBDV/CBDV

Em 2017 decidiu aposentar-se da FMVZ-USP, após 44 anos de atividade docente, a fim de desfrutar mais tempo com sua família. Mesmo assim, continuou atuando como “Professor Senior”, colaborando com seus colegas de Departamento, até o ano de 2023, na ministração de aulas de graduação. Um exemplo de dedicação à FMVZ-USP! 

No decorrer da carreira recebeu mais de 30 homenagens e prêmios, de diversos órgão nacionais e até internacionais. Dentre as mesmas destacam-se duas delas: o Prêmio “Max Ferreira Migliano”, conferido pelo CRMV-SP como profissional de destaque e atuação na área de Clínica Médica. Por coincidência, Max Migliano foi um brilhante professor e um “guru” de Larsson na disciplina de Clínica de Monogástricos. Sua derradeira homenagem aconteceu alguns dias (29/9/2024) antes de sua morte. Nela foi nomeado como “Honorary Diplomate“ pelo Colégio Latino Americano de Dermatologia Veterinária (LACVD), em reconhecimento às suas inestimáveis contribuições para a Dermatologia Veterinária, no Brasil e na América Latina.

Ele foi expressivamente aclamado e reconhecido não apenas por entidades de classe e profissionais, mas também pelo corpo discente da FMVZ-USP, o qual o elegeu por oito vezes Professor Homenageado e uma vez como Patrono da Gloriosa 41ª Turma, em 1979.

Por tudo já descrito, fica evidente a profícua vida acadêmica, associativista e familiar de Carlos Eduardo. Ele mergulhava e vivia intensamente e com entusiasmo as causas que acreditava. Desta forma, foi um católico fervoroso, devoto de São Judas Thadeu, palmeirense de carteirinha, esposo dedicado, pai amoroso do Carlos e da Mariana e vovô-babão dos netos João Carlos e Maria Eduarda. Se dedicou e fez por merecer a amizade e o respeito dos seus colegas, amigos, alunos e dirigentes com quem conviveu. 

Parafraseando São Paulo, Larsson lutou o bom combate e até o último suspiro manteve a esperança e a fé!

Os professores, funcionários, alunos e ex-alunos da FMVZ-USP rendem homenagem ao Ilustre Professor e Amigo.