FMVZ mantém importantes pesquisas sobre bem-estar de suínos no campus da USP de Pirassununga

Texto: Mariana Bombo Perozzi Gameiro

O cenário idílico de fêmeas suínas ao ar livre esconde   complexos experimentos realizados na área de bem-estar de suínos.  Caminhando em pastagens no Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ)da USP no campus Fernando Costa, em  Pirassununga/SP), os animais integram projetos de pesquisa coordenados pelo professor Adroaldo José Zanella e desenvolvidos por alunos de pós-graduação, com financiamento da Fapesp e da Capes.

Num desses experimentos, 13 fêmeas, com 141 leitões, têm acesso a cabanas de bambu, desenhadas e construídas pelos pesquisadores da USP.  As fêmeas suínas levam feno, grama e galhos para dentro das cabanas e constroem ninhos para proteger os mais de 12 leitões que nasceram de cada uma, após uma gestação de 114 dias. Este seria o comportamento natural da espécie, mas a produção comercial de suínos submete os animais a condições que não permitem o seguimento deste ritual decorrente de milhões de anos de seleção natural: a construção do ninho acelera o processo do parto e é fundamental na organização de todo o processo fisiológico que desperta o comportamento materno e facilita a liberação do leite. Encontram-se nos leitões, no entanto, as perguntas iniciais de pesquisa que resultaram no Processo Fapesp  2018/01082-4 (auxílio regular), na bolsa de doutorado de Thiago Bernardino de Almeida (Processo Fapeso 2017/05604-2) e na bolsa Capes do mestrando Leandro Sabei. 

Ao nascer, os leitões formam hierarquias complexas, disputam o leite da mãe como um bem precioso e, em 150 dias, passarão de 1 kg a mais de 100 kg de peso. Os suínos têm habilidades cognitivas comparáveis aos cães domésticos e apresentam respostas emocionais muito comparáveis aos humanos. Eles se reconhecem no espelho como chimpanzés e elefantes e também antecipam decisões de outros suínos (reconhecem o que os animais sabem ou não sabem).

Para estudar as potenciais alterações que o bem-estar dos machos progenitores acarretaria nos gametas e, consequentemente, nos leitões, a pesquisa de doutorado de Thiago Bernardino envolveu 27 animais não castrados. Destes, nove receberam o manejo tradicionalmente dedicado a estes animais quando mantidos para reprodução, ou seja, a manutenção em celas que permitem que os mesmos somente deitem e levantem. Outros nove machos foram mantidos em baias, que permitiam que os animais se movimentassem e mantivessem contato, por meio de cercas, com os outros animais.

Os últimos nove animais receberam o tratamento que implicava no melhor nível de bem-estar possível:  além de alojados em baias, eles receberam feno para manipular,  estímulo tátil diariamente, por meio de escovação e também foram premiados com banhos de água. Todos os animais tiveram o sêmen coletado para análises que indicarão suas características e qualidade e possibilitarão comparações em função das diferentes condições de alojamento e de bem-estar dos progenitores.

Quando a experiência desses animais estava presente em seus sêmens, entrou em cena o mestrando Leandro Sabei. Em sua pesquisa, ele misturou o sêmen de seis machos, representando os três tratamentos e inseminou as 13 fêmeas suínas que gestaram leitões de pais com diferentes experiências. São esses os leitões que estão sendo testados agora, para entender o impacto do bem-estar dos pais na emocionalidade, saúde  e produtividade dos mesmos. Eles estão submetidos a uma vasta bateria de testes para que aspectos cognitivos e emocionais revelem a contribuição do macho nos aspectos de desenvolvimento da prole.

Os testes incluem comportamento social, memória, medo, ansiedade e emoções positivas, além da concentração de hormônios de estresse, como cortisol, na saliva dos leitões. Para  Zanella, a importância dos experimentos reside na identificação/mensuração das implicações que o sêmen de machos que sofreram experiências negativas durante a espermatogênese possam ter para o silenciamento ou a ativação de genes, os quais por sua vez podem transmitir tais informações para a prole, alterando a trajetória de vida dos animais. Resultados preliminares destes trabalhos foram apresentados na reunião da Sociedade Internacional de Etologia Aplicada, em Bergen, na Noruega, no início de agosto. Trabalhos também foram aceitos para a reunião da Sociedade Brasileira de Etologia, que será realizada no próximo mês de novembro.

Além do apoio da Fapesp, o projeto tem como parceiros colaboradores da Universidade de Linkoping, na Suécia, com  recursos do Conselho de Pesquisas daquele país, local onde o pesquisador Leandro Sabei vai estudar os marcadores epigenéticos na prole das 13 fêmeas. O doutorando Thiago Bernardino de Almeida vai levar para Maryland, nos Estados Unidos, durante a sua bolsa  no exterior (Bepe), o DNA do sêmen dos machos para análises em um laboratório que é referência mundial em fatores que modulam a expressão gênica no sêmen de humanos e roedores, contribuindo para distúrbios cognitivos e emocionais. “Esses experimentos avaliam a contribuição dos machos na trajetória das proles e, para isolar tal contribuição, as fêmeas foram mantidas em condições excelentes de bem-estar, de modo a demonstrar que foram os espermatozóides que, de fato, transmitiram as informações para o feto”,  explica Zanella.

Na trajetória científica de Zanella, porém, outros estudos demonstraram como o bem-estar das fêmeas contribuem para a prole. Em um projeto de doutorado desenvolvido na USP e na Universidade de Teramo (Itália) pela estudante Marisol Parada Sarmiento, foram demonstrados efeitos de doenças que causam dor nas fêmeas suínas gestantes sobre a percepção de dor dos leitões. Este projeto também recebe recursos da Fapesp. Em todas essas pesquisas a construção do trabalho experimental contou com parceiros importantes. A certificadora de bem-estar animal Certified Humane doou recursos para a aquisição dos animais; a empresa de genética suína Topgen ofereceu acesso às suas instalações para alguns experimentos. Segundo Zanella, é impressionante a grande participação de estudantes de graduação em Medicina Veterinária e Zootecnia da USP e de outras instituições do Brasil nesses experimentos. “Eles desenvolvem estudos paralelos, como um que avalia a arquitetura do ninho das fêmeas suínas em relação à capacidade de manter a temperatura adequada para os leitões. Esse arranjo é fruto de um enorme trabalho que busca oferecer para os animais o melhor sistema possível para que o bem-estar dos mesmos seja assegurado, visando entender como os animais se comportam e interagem com um ambiente mais positivo”, conclui ele.